Não quero tornar motivo de piada uma morte, mesmo que tão tranquila, após 94 anos de espera. Sim, porque acho que a morte espera toda uma vida para dela nos tirar. Você não acha? Tá. Vai me dizer que não concorda também que pessoas como o cineasta Michelangelo Antonioni são aguardadas em festa no céu? Ou como seu Antônio, o baiano que, além das histórias contadas e escritas por sua filha, minha amiga, só fui conhecer no dia do próprio velório. Amiga mesmo, pode perguntar. E de tamanha proximidade que não tenho dúvidas: seu Antônio deve estar se divertindo por ser lembrado agora. Não pelo velório, mas por suas estrepolias em vida que me vieram a mente como se as crônicas escritas pela filha tivessem virado filme.
Imagino seu Antônio, o baiano, recebendo Antonioni, o italiano, no céu. "Oi, sou seu Antônio! Tenho uma filha jornalista, gostava dos seus filmes...". E vai render conversa até que o tédio se renda...
Mas como eu ia dizendo, o poeta do tédio que retratava as angústias individuais e a incomunicabilidade nos relacionamentos, morreu sentado, aos 94 anos, ao lado da esposa Enrica Fico. Será que estavam em silêncio profundo no exato momento? Trocaram olhares? Havia comunicabilidade entre os amantes na hora derradeira?
Se não estivéssemos nos adaptando as mudanças até físicas pelas quais passamos esses dias, na redação onde trabalho, com certeza alguém teria feito um comentário, algo assim: "Será que na hora da morte eles fizeram uma combinação como: Antonioni disse 'então eu vou', e teve como resposta de Enrica: 'Fico!' ? De imediato, o olhar atento e curioso de meu chefe se voltaria com desdém em minha direção, mesmo que a fala não fosse minha. "Ah não. Uma 'ritaelisiana' dessas e nem é sexta-feira ainda". Mas depois, sairia pela empresa, de sala em sala, repetindo a brincadeira com um sorriso no rosto de quem, ao fundo, achou boa a piada. Tédio? Que nada.
quarta-feira, 1 de agosto de 2007
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