segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Ela me inquieta ao mesmo tempo que alimenta

"Filha, a vida é um espetáculo e você está no palco. Isto não é um ensaio. Faça de tudo para que seja sua melhor apresentação. É sua única chance." Foi mais ou menos assim, com um jeito bem diferente deste, que é seu jeito próprio e único, que meu pai um dia me chamou a atenção para uma lição que desde a infância tenta me transmitir. Para ele, não existe meio termo. "Você tem que ser o melhor no que faz e orgulhar-se disso, mesmo que seja o melhor lixeiro", diz. E me é tão clara a escolha dele... ser o melhor ser humano.

Mas esta postagem não é sobre ele. E sim sobre a inquietante personagem que caiu no meu colo desde que aceitei dedicar-me novamente ao teatro, mais do que como platéia e não mais como estudante. Um desafio perturbador que me inquieta e alimenta minha ansiosa busca por superação. E que me fez lembrar o pensamento destacado por meu pai, com a qual abri este devaneio. Sim, porque muitos outros personagens poderão vir depois deste, mas como todos os outros, esse será único.

A identificação foi imediata. Diante do texto que me foi passado pelo grupo eu sabia que seria a responsável por dar vida àquele. Identificação que não significa escolha. Existia um deles que me colocaria na zona de conforto, seguindo esta linha do eu que encontra-se em fase tão presente, tão recheada de mim mesma, tão de olho no agora por diante...

Mas... pensando bem, quão desmotivador seria sair da coxia para me representar? Afinal, é para dar vida ao que não sou que decidi estudar teatro, subir ao palco. É nisso que vejo graça, que me encanta a atuação. Até porque, quando um autor escreve um personagem com endereço certo, desmerece o ator, acredito. Com raras exceções que são verdadeiros mimos... homenagens. Mas normalmente vejo desmérito.

O conforto nem sempre é bom... engessa...

E ainda que de forma embrionária e tímida, já comecei, no entanto, minha busca precoce diante de um texto a ser terminado, pelo corpo ao qual terei que me adequar. O pensamento, as idéias, a pouca idade... Mas volto a falar sobre isso quando estiver já mais a vontade com o personagem ao qual terei que dar vida. Eu só precisava desabafar. E me comprometer aqui com ele, em público.

Por enquanto, a relação que mantemos é imaginária. Assim sendo, sinto-me como objeto inanimado que há de ganhar movimentos quando o personagem começar a ganhar vida. Antes, porém, há um longo caminho a ser percorrido.

Nota de rodapé:
- Pai, eu jamais conseguiria reproduzir o jeito que é só seu, por mais que digam que somos muito parecidos. Por um daqueles descuidos imperdoáveis perdi aquele seu e-mail. Mas usei meu jeito para transmitir o que gravei aqui dentro, naquele espaço mágico que une meu coração à minha mente.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Cansei foi de ficar em silêncio diante dessa bandalheira

Eu até tentei repensar essa história, mas não consegui engolir esse sapo. Mais esse, não. Já estamos em silêncio há muito tempo. Inclusive eu. O que tenho feito para mudar? Nada. Mas em silêncio é que eu não ia ficar. Não mesmo. Silêncio, não!

Pelo menos aqui na redação em que trabalho quase todos concordaram comigo. Bom sinal. Não sou uma revolta solitária. Claro que a certa altura virou piada. Como tudo no Brasil. Caramba! Continuamos contribuindo com isso...

Bem, nossa manifestação inconsciente só teve início após as duas da tarde. Foi quando lembrei um dos colegas que ele mesmo havia esquecido de acompanhar o movimento "Cansei", marcado para as 13h, ao qual, disse-nos ontem, todos deveríamos nos render. Queria que ficássemos quietinhos, parados, em pé, como crianças de castigo na pré-escola. Seria trágico, não fosse cômico. Nossa redação, há 15 dias, foi transferida para uma espécie de "aquário", no centro da editora, e todos poderiam assistir nossa "atuação", se quisessem.

"Nossa, esqueci. Vou fazer agora", foi o que ele me respondeu, olhando para o relógio. Ali, em ponto estratégico, baixou a cabeça e com olhar de soslaio para o relógio passou a contar os 60 segundos unindo-se aos "Cansados da Praça da Sé". Não titubiei. Peguei o telefone e liguei para os ramais das salas ao lado pedindo atenção ao protesto solitário...

"Olhem para o protesto do (piiiiii) na redação da (piiiiii)", dizia meu interlocutor, do outro lado da linha. E se no primeiro instante todos os seus colegas de sala viravam o rosto em silêncio, na nossa direção, com aquela cara de "Oooohhhhh!", logo se percebia o burburinho gerado em cada departamento pela graça. De graça!

Agora, passadas quase duas horas do fato, olho para os mesmos que nos focaram naquele instante e vejo que cada um continua seu trabalho, sem se quer lembrar do ocorrido. Como sempre acontece, com tudo que acontece e fica no passado... e talvez não seja lembrado nem que haja pelo fato um minuto de silêncio.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Ela era livre... e sabia...

É essa a sensação que tenho sempre que leio ou ouço algo sobre Madeleine Peyroux. E as reticências são para garantir a continuidade desta liberdade tão explícita, aos meus leigos olhos, nos momentos captados pelas lentes do fotógrafo Hélvio Romero que estampam o Caderno 2 do Estadão de hoje.

Imagino o que é cantar nas ruas, como a Madeleine, em Paris, ou o Edson Cordeiro, em São Paulo. Olhar as pessoas que passam e as poucas que lhe ouvem... lhe sorriem. A sensação de poder e desprezo, encantamento e desilusão. E agora, nos dois casos, diante de platéias repletas e dispostas a pagar o preço para estar ali. Vindas de várias partes do mundo...

... mas a essência não muda. Acredito que não. Amadurece, ganha nuances, mas não muda. As fotos do Estadão de hoje trazem a mulher segura que canta com um público aos seus pés. Mas também revelam a alma da menina que ainda na adolescência ganhou da mãe o companheiro inseparável de uma vida: o violão.

Agenda cheia, dinheiro farto, mimos e cuidados, opções, luxo... tudo em troca da liberdade agora vigiada. Madeleine, que no início da fama sonhou poder continuar a acompanhar seus colegas artistas de rua entre uma turnê e outra, nos intervalos de seu "show" que só estava começando... e que em seu promissor retorno, depois de pausas totalmente pessoais e intransferíveis, rende-se novamente aos compromissos e destinos agendados com tremenda antecedência... só pode ser porque nas letras, na música e na voz, é capaz de extrapolar, com doçura, sua liberdade, seu jeito de ser. "Don't wait too long" e mais nada a declarar.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

De repente, um espelho

Algumas caixas ainda estão empilhadas. "Onde eu guardei aquele sapato?", me questiono, enquanto observo os 'pacotes' que tomam 1/4 do pequeno estúdio para o qual me mudei. "Preciso dar um jeito nisso", esbravejo comigo mesma. É quando me dou conta de que, definitivamente, preciso de um espelho. É, de um espelho.

Sem tirar os olhos das caixas esqueço imediatamente o sapato. Meu foco é outro. Quero me ver, me olhar. Por um instante me encontro refletida no vidro do relógio de parede deixado no chão, aguardando sua vez de ter o próprio lugar. E mesmo enquanto espera, é importante dizer, não deixa de cumprir seu papel: tic tac, tic tac, tic tac...

Mas o reflexo está deformado, não agrada, não me serve. Recomeço uma busca desesperada na minha memória ao mesmo tempo que olho para as caixas como se tivesse a visão de raio X do bonitão Clark Kent. De repente, me lembro da caixa de maquiagem. "Perfeito!", digo em voz alta, enquanto minha mão alcança a bolsa onde foi cuidadosamente guardada a tão zelada caixa de maquiagem espelhada.

O espelho é de bom tamanho. Novo. "Se eu colocar sobre esse balcão terei bons ângulos", penso, posicionando o objeto. Pronto. Lá está ele a me olhar. Começo a observar parte de mim. Uma parte do tronco refletida enquanto estou em pé. Gosto da composição da roupa que vesti, do caimento da blusa... menos um problema para o dia que se inicia na vida de uma mulher. Então, puxo a cadeira e me sento. Em frente ao espelho. E me olho...

... me permito demorar um pouco... observar... estou cara a cara comigo.

A falta de intimidade com essa imagem, já de alguns dias, me torna um tanto quanto estranha e, consequentemente, tímida no primeiro contato. Mas aos poucos vou me soltando. Dou um sorriso e inevitavelmente reencontro aquela marca de expressão que me incomoda. Insisto... e me acostumo novamente com ela.

Minha versão Narciso vai aflorando. Meus olhos ganham novo brilho. E, novamente de repente, o silencioso diálogo que se estabelecera é interrompido pelo teimoso relógio que, mesmo esquecido no canto, instiste em trabalhar: tic tac, tic tac, tic tac... "Nossa, preciso ir."

Tiro da bolsa o batom que passo rapidamente sobre os lábios já nem tão sorridentes, olhando para o espelho sem ao menos me ver. Coloco o sapatinho básico - e para inúmeras ocasiões como essa - que está sob a escrivaninha, confiro se as luzes estão apagadas, certifico-me de que peguei tudo: documento e chave do carro, a agenda, o cheque a ser depositado... e saio. Ainda tenho que deixar uma autorização na portaria.

Entro no carro, coloco o cinto, giro a chave, engato a ré e, tão de repente quanto em todos os outros de repentes, reencontro minha imagem refletida no retrovisor. A expressão é outra, tenho pressa. A testa franzida esconde o brilho já tímido no olhar... me perdi.

Será que me esqueci trancada dentro da caixinha de maquiagem espelhada? Bem, espero que sim. Ao menos poderei tentar libertar-me assim que chegar em casa.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Quem disse que toda segunda-feira tem que ser ruim?

Hoje levantei um tanto quanto animada. Há tempos uma segunda-feira não me caia tão bem. Talvez porque a noite de sono me tenha deixado mais leve, depois de um final de semana no qual levei meu corpo à exasustão. Encher, esvaziar, arrastar, limpar o pó, erguer, abaixar, carregar descarregar; encher, esvaziar, arrastar, limpar o pó, erguer, abaixar, carregar, descarregar; encher, esvaziar, arrastar, limpar o pó, erguer, abaixar, carregar descarregar... Ufa! Me fez lembrar meu primeiro curso de teatro, em São José do Rio Preto (interior de SP). O método era o da exaustão física. Segundo o que aprendi durante sua utilização, um corpo cansado simplesmente faz. Não apresenta resistências. Confesso que não cheguei a essa etapa. O cansaço me impediu de prosseguir.

Já no Macunaíma me dei bem com a técnica da memória emotiva, de Constantin Stanislavski. Aquela na qual você recorda como seu corpo se comporta quando está sob determinado tipo de emoção, para refazer esses movimentos. E a mim, faz mais sofrer esta etapa de busca do que o repetir, repetir e repetir dos ensaios posteriores, que tantos odeiam. É nessa repetição que sinto meu corpo apropriar-se das ações, dando-me permissão para colocar alma nas cenas. E de posse delas, meu corpo há de sentir falta quando no palco chegar a hora de repetí-las mais uma vez, diminuindo minhas chances de ficar sem ação diante da platéia.

Talvez por isso, também, tenha sentido falta de Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e os seus. Já tinha me apropriado de trazê-los à minha cama todas as noites, por uma ou duas horas, em minha incursão no Tête-à-tête, de Hazel Howley. Isso até semana passada, quando o tempo passou a faltar-me. Ontem não. A sensação era de missão cumprida. E pude levá-los novamente à cama por mais de uma hora - o que, diriam seus mais íntimos, não é privilégio de poucos, nem tampouco é sinônimo de uma noite de extremos prazeres, que não intelectuais. Não sempre, claro.

Mas encontrei alguns trechos que decidi reproduzir neste recomeço. Um deles poderia ter sido francamente escrito por mim. Mas na minha covardia sinto-me mais à vontade declarando que abaixo segue trecho da carta de Beauvoir para Algren, seu amante americano.

"... nunca foi muito fácil para mim viver, embora eu seja sempre bem feliz - talvez por querer muito ser feliz. Gosto muito de viver e odeio a idéia de morrer um dia. E aí sou gulosíssima, quero tudo da vida, quero ser mulher e homem, ter muitos amigos e ter solidão, trabalhar muito e escrever bons livros, viajar e me divertir, ser egoísta e altruísta (...) Está vendo, é difícil ter tudo o que quero. E, depois, quanto não tenho sucesso, fico louca de raiva."

Me incomodava apenas o "quero ser mulher e homem", que talvez não entrasse se fosse minha a declaração. Não sem a compreensão do trecho que segue, tirado do capítulo "A mulher independente", da consagrada obra de Beauvoir "O Segundo Sexo". Após ele, confesso, busco ser um pouco desse homem, esse tal Primeiro Sexo...

"A vantagem do homem (...) é que sua vocação como ser humano não vai contra seu destino como homem em nenhum aspecto (...) Seus sucessos sociais e espirituais lhe dão um prestígio viril. Ele não é dividido. Ao passo que se exige da mulher que, para realizar sua feminilidade, ela se torne objeto e presa, o que vale dizer que tem que renunciar a suas reinvidicãções como um sujeito soberano."

Eu passaria um dia e tantos outros escrevendo sobre isso e até discordando, em partes, de Beauvoir. Mais simples é dizer que nós, mulheres de uma geração pós década de 70 e nossa queima de sutiãs; de uma geração que busca fazer valer as declarações de Balzac; de uma geração desestabilizadora do poder soberano dos homens; ainda somos fruto de uma cultura que divide homens e mulheres e não os vê como complementares. E isso me basta para entender a "crítica" Beauvoiriana. Pelo menos por enquanto, pois sei que vou continuar a pensar nisso...

domingo, 12 de agosto de 2007

Meu pai-herói

"Sou como todos os outros pais", foi o que ele me disse, interrompendo meu discurso ao telefone. A voz era de quem sorria e sabia o que eu ia dizer. Um pai-herói. Daqueles que você não encontra no gibi.

Que saudade das histórinhas contadas com as entonações certas, a pausa para a respiração, os tons de voz compatíveis com os personagens... coisas que depois fui estudar, no teatro. E que ele aprendeu sozinho, pra me agradar.

Um dia, orgulhosa, pude falar ao Mauricio de Sousa, pessoalmente, que através da turma da Mônica o meu pai, que pouco estudo teve, me alfabetizou. Eu lia gibis, mesmo sem saber ler. Nossa enooorme coleção de gibis. Minha e dele.

Mentira. Ele não é especial só porque é meu pai. Não conheço quem não goste dele. Não conheço. Aliás, só uma coisa fez com que tivesse inimigos. Só uma. A tal da democracia. Mas não a da livre escolha. A democracia que anda amarrada à política.

Foram três eleições. O sol nem tinha nascido e lá estávamos nós, nas ruas, pedindo voto. Depois de uma noite quase em branco planejando os últimos detalhes para a decisiva manhã. Eu era criança. Bem menina. E me lembro até o número que o elegeria vereador: 14.692. E olha que minha memória nem é tão boa assim, mas eu me lembro. Defendia esse número com unhas e dentes. Defendia a dignidade do meu pai.

Que orgulho eu senti no dia que, por ser radialista, pude entrar para acompanhar de pertinho a apuração dos votos. Orgulho meu e dele. Dava pra ver nos seus olhos. Se ele tivesse perdido, não importava mais. Já tínhamos vencido. A filha que nem formada era já estava ali, entre os profissionais de imprensa, pertinho da notícia que todos os amigos - e na ocasião também os inimigos - queriam saber.

Hoje já não é mais vereador nem candidato, para alívio da família. Os que se fizeram inimigos não são mais. E voltaram a admirá-lo. As vezes ele ameaça voltar à atuante vida política, mas não sei. Acho que não.
Bem, se voltar... estarei lá.

Meu pai é daqueles que não precisa dizer para você saber, mas diz. Que sabe o momento de calar e de se colocar a postos. Que respeita as vontades, os desejos, os gostos. Meu pai foi daqueles que nunca disse não. Ou dizia sim, ou dizia: "você acha que deve fazer isso?". A decisão era minha.

Dizem que somos muito parecidos. Fisicamente e em gênio. Essas comparações de família... a Ritinha é o pai escrito, já o Betinho é a mãe. Enfim, tomara. Tomara que eu tenha herdado um pouquinho da magia que você tem, do caráter, da humildade, do amor incondicional. Tomara que eu possa ser tão amada quanto você é, pelos que te cercam.

Viver seria uma grande brincadeira, um romance, um conto de fadas, "se todos fossem no mundo iguais à você". Te amo, meu velho. Simplesmente porque você é do jeitinho que é. Te amo!

Em tempo:
Quanto mais releio minhas postagens de hoje, mais infantilizadas as percebo. Mas agora entendo. Hoje é Dia dos Pais. É dia de ser filha. E como filha, serei uma eterna criança, a eterna menina do pai.

Eu sabia... (saudades)

... que quando chegasse nessa fase do caminho seria mais demorado. Enquanto planejava a mudança, olhava para a prateleira de livros como se visse uma placa: reduza a velocidade.

E foi exatamente em meio aos livros e recortes e revistas e meus textos que me perdi. Reencontrei meus pensamentos. Reencontrei a pasta de idéias que sempre vai para o fundo do baú. Amarelada, sem vida, até que passo os olhos por uma das folhas e depois outra e depois outra e elas vão se sobrepondo, fazendo-me lembrar de quem fui. Juntando os pedaços que me trouxeram até aqui. Me transformaram em quem sou.

Uma das amareladas folhas é datada de 04/02/1997. Um década e pouco atrás, quando fiz um desabafo...

"Um dia se foi
como se nunca tivesse estado.
Simplesmente partiu.
Deixou-me a vaga lembrança
de quando ainda criança
um dia me sorriu.

No plano da realidade
fez-se de um sopro de vida
a cruel velocidade
situação de morte.

E lá estava seu corpo,
parado,
sem cor e nem mais dor.

Não sentia nem ao menos
o odor das próprias flores
que lhe depositavam ao redor
no leito agora eterno.

Seus olhos cerrados
não eram capazes de ver
as chamas das velas
que por ele acendíamos.

Talvez só tu´alma sentisse
o peso com que cada lágrima rolava em minha face
para cair ao léu
e evaporar-se
em lugar nenhum..."

(Franck, que saudade amigo. Foi tão cedo! Tanto quanto o Tom e o Alexandre. Que como você não entenderam que a velocidade pode nós levar muito rápido mesmo... e para sempre!
Saudades de vocês amigos! Eternamente...)
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Saudades também do professor Zizzo, que no primeiro ano de faculdade me encantou com sua filosofia. Não a dos livros simplesmente, com as quais hoje tenho que me contentar. Com a filosofia da vida... com a mesma simplicidade que tentei colocar no discurso que li, na missa que rezamos para a dolorosa despedida...

"O corpo padece, se vai, se destrói simultaneamente. Em segundos deixa simplesmente de pulsar, de agir, de ser, de existir.
Seu corpo se foi, de uma forma brusca. Violentamente se separou de nós, que choramos e não compreendemos nada... será difícil filosofar quando o tudo e o nada nos lembrar seu jeito de ser você... Pediremos então à Deus que conduza tua alma para a luz da eternidade..."

(Tão pouco tempo, mestre, tão pouco tempo. Mas ao lado de um mestre basta um segundo, se bem aproveitado. E quanto aproveitei da sua sabedoria. Quanto bebi dessa fonte. Aliás, jamais esquecerei seu conselho, no balcão do "Tico e Teca". Por isso estou resgatando, aqui dentro, mestre, meu raciocínio sobre a vida! Jamais esquecerei seu conselho.)

sábado, 11 de agosto de 2007

Tem dias que é preciso mudar

Lá fora está nublado. Posso ouvir uma insistente furadeira descumprindo a regra de que aos sábados só são permitidos barulhos de reformas até o meio dia. Já passa das 15h...

Eu também estou avessa às regras hoje. Tanto quanto e ao mesmo tempo mais que em outros dias. Aqui, neste condomínio, também há regras para fazer as mudanças. Dias, horários... Mas eu mudei, não posso mais esperar. Não consigo me render as regras, não quero. Estou de mudança, mas mudo em silêncio.

Tudo está sendo desligado da tomada. Neste instante só o computador me mantém conectada a esse mundo ai fora... vim aqui tomar um ar. Mas quando reentro é tanto silêncio que duvido que o mais atento vizinho imagine que estou remexendo em tudo, revirando minha mais íntima história.

Há conflitos. Mesmo que eu olhe o passado só consigo enxergar adiante. Há coisas que vão combinar com a nova decoração, outras não. Há uma ansiedade e uma angústia alucinantes e calmantes em mim.

Enquanto encho as caixas, a casa se esvazia. Há muito pó pra ser tirado. No entanto, é superficial. "Eliminável". O problema é que estou cansada. E ainda há muito trabalho pela frente...

Preciso encher as caixas e deixar a casa vazia. Preciso ir...

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Aos alunos, professores e funcionários da Universidade Braz Cubas, de Mogi da Cruzes...

Quero registrar aqui meu carinho por vocês. Uma platéia tão presente como talvez nunca teria, se não tivesse aceitado o convite do amigo Zugaib para compartilhar minhas experiências com seus alunos. Valeu cada segundo. A deliciosa e enriquecedora troca, muitas vezes pelos olhares atentos... olhos que brilhavam, provavelmente voltados para o futuro. Mas lembrem-se, futuro que já começou.

Obrigada pela oportunidade, pela atenção, pelos calorosos aplausos, pelo bate-papo depois do que seria o ponto final, o tête-à-tête, e pelos e-mails e mensagens hoje recebidos...

Vamos em frente, galera. A vida é agora... sem essa de deixar para depois.

Coisas do "Corpo"

Demorei mais do que gostaria para registrar estas impressões. Aliás, tanto a demora quanto as impressões foram, digamos, coisas do "corpo". Uma, a demora, coisa do corpo cansado, entregue as tarefas do dia-a-dia. Outra, as impressões, coisa do corpo que traz para a alma a presença de corpos expostos, em cena, destinados à arte. Falo do espetáculo do Grupo Corpo que assisti na segunda-feira (06/08). Dois atos, inúmeras reflexões, uma certeza: encantadores!

No primeiro, "Sete ou oito peças para um ballet", uma reapresentação de 1994. Cores em ritmos mais leves, suaves... E como me é comum e necessário, quando estou diante de um palco busco a essência, a história, ainda que as minhas próprias essência e história. Ali, entre movimentos que se repetiam em cada corpo, mas cada qual a seu tempo, com seus ritmos e formas, de repente uma coreografia que se desprendia do todo. Um ballet solitário entre os membros do mesmo grupo que continuavam a dança cadenciada. E aquela solidão crescia, ganhava alma, luz própria... foi quando percebi quão importante é que alguém se destoe, vez ou outra, quando tudo está muito igual. Mesmo que mais tarde as coisas se pareçam novamente como antes. Mesmo que, na verdade, não sejam mais como antes.

Intervalo.
Tínhamos pouco tempo - 20 minutos - enquanto os demais disputavam os banheiros e as últimas taças. E nós só queríamos colocar a conversa em dia. Afinal, nossos últimos bate-papos, sem voz, entre letras e ícones do messenger, se resumiam a trabalho, trabalho, trabalho. E ali, na platéia, com as luzes nem tão acesas, nem tão apagadas, ainda envolvidas pela poesia a que acabávamos de ser expostas, só queríamos falar de nossas próprias vidas. Experiências complementares vividas de formas tão diferentes e peculiares. Uma conversa interrompida pelo aviso de que o espetáculo ia recomeçar.

No segundo ato, o nova criação do grupo: "Breu". A beleza do contraste entre o preto e o branco. Aliás, ali percebi que nem sempre as cores são mais belas que o contraste entre o preto e o branco. A boa composição de brilho e fosco dos tecidos. O ritmo alucinado das grandes cidades e seus encontros e desencontros muitas vezes cantados ou escritos, de repente ali, dançados, coreografados... como tirar os olhos do palco? A angústia do estar e do ser a dois, em grupo, ou só... cenas lindas e perturbadoras... talvez porque eu as visse como reflexo do que anda aqui, bem dentro de mim.

E aquela trilha... este CD Breu que estou ouvindo agora... Pode ouvir? Que pena.
E naquele começo, bem quando os artistas voltam ao palco, Lenine brincou com os sons com o mesmo gosto com que Cibelle brinca em "The Shire of Dried Electric Leaves"... e acabou brincando comigo.

Os movimentos já nem pareciam respeitar os ritmos. Havia harmonia, no entanto. E eu, ali, entregue às minhas sensações, tão estática por fora quanto me sentia agitada por dentro.

Ficha técnica (para os aplausos finais):
Grupo Corpo
"Sete ou oito peças para um baile" (1994)
coreografia: Rodrigo Pederneiras
música: Philip Glass / UAKTI
figurino: Freusa Zechmeister
cenografia: Fernando Velloso
iluminação: Paulo Pederneiras

"Breu" (2007)
coreografia: Rodrigo Pederneiras
música: Lenine
figurino: Freusa Zechmeister
cenografia e iluminação: Paulo Pederneiras

domingo, 5 de agosto de 2007

Sabe da última?

O frio voltou a rondar São Paulo neste domingo. Um convite para devorar livros e revistas embaixo das cobertas, até que o sono venha. Mas quando passei os olhos pela reportagem de Rosana Zakabi na revista Veja: "Psiu! Ouviu essa?", que afirma que "os homens fofocam tanto quanto as mulheres, o que muda é o conteúdo de suas maldades", não resisti e vim direto para o computador. Mais ou menos como quando você fica sabendo da bronca que seu superior insuportável tomou do chefe, ou do fora que o bonitão da turma levou da "mina que estava no papo"... Em algumas dessas vezes, pode confessar, você não resiste e bota a boca no trombone, doa a quem doer.

Pois é. E eu vim contar que nós mulheres já sabíamos do que o Social Issues Research Centre, de Londres, só conseguiu provar depois de fazer mil entrevistas. Homem é fofoqueiro sim. Claro que, como no caso das mulheres, não dá para generalizar. Mas que fofoca não é coisa só de menina, isso não é mesmo.

Mulheres de plantão, querem fazer um teste e atrair a atenção dos homens que estão ao seu redor? Comecem a cochichar com uma amiga - ou um grupo delas - e soltar uns risinhos de vez em quando, com aquele olhar desconfiado de quem sonda se não está sendo ouvida. Mas finja que não percebeu que eles estão por perto. É batata. Os mais discretos vão quase quebrar o pescoço na tentativa de ouvir ao menos uma palavrinha do diálogo. Os mais desesperados não vão se conter e soltarão a famosa "do que vocês estão falando?". Ao que, se for essa semana, você pode responder: "leia na página 104 da revista Veja."

Queria também deixar um alerta sobre a afirmação do sociólogo da Northeastern University (Boston), Jack Levin, que aponta a fofoca como instrumento poderoso para entender o ambiente em que se vive e adaptar-se à ele. "Num escritório, por exemplo, é através das conversas no cafezinho que o novo funcionário fica sabendo como é o clima no local, em quem se pode confiar, como é a política de promoções, se a moça atraente da mesa ao lado é comprometida, e assim por diante.", diz ele. Ok. Mas é importante que haja coerência nas interpretações. Toda fofoca pode estar recheada de intrigas mais sérias, totalmente pessoais e intransferíveis. Nesse caso, "o buraco passa a ser mais embaixo". Se a opção for mesmo nortear-se pelas fofocas para escolher em quem confiar, tente tomar cafezinhos com o máximo de pessoas e estar bem atento. Ou você corre o risco de ouvir só um lado da história, que pode ser justamente o da ficção. Como em tudo na vida, neste caso também é preciso separar o joio do trigo.

sábado, 4 de agosto de 2007

"Paris sous l´Occupation" (Jean-Paul Sartre)

Prometi que escreveria sobre Tête-à-tête, o livro que tem me mantido em companhia de Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e todos os que circundaram suas vidas. Aliás, o meio gosto que tenho pela leitura é individual, solitário. A outra metade, até egocêntrica, é o poder de compartilhar impressões, sensações e de fazer comparações.

Sobre o casal que dá vida à obra de Hazel Howley tenho muito e quase nada a dizer. A impressão é de que passaram a vida ensaiando o melhor jeito para que pudessem ter suas histórias contadas depois. Hazel concorda em partes com isso. O que não quer dizer que Beauvoir e Sartre não tenham vivido intensamente. Horas demais e horas de menos, ouso afirmar. Mas tudo é uma questão de ponto de vista.

No entanto, na vida, algo me chama a atenção ao mesmo tempo que me incomoda, aflige e afugenta. A "liberdade" vigiada e limitada. E vejo a guerra como a interpretação escancarada da impotência diante de um poder alheio. Ressalto, no entanto, que as batalhas interiores pelas quais passam os humanos mais ainda me amedrontam. Principalmente porque, na maioria das vezes, o alheio é o próprio eu. E o campo de batalha, ah, desse não há como fugir.

E é por isso que me chamou a atenção a maneira pela qual Beauvoir e Sartre olham para a "Paris sob a Ocupação" dos anos 40. Antes descrentes de que a guerra chegaria até eles - e muitas vezes, mesmo no "campo de batalha", Sartre parece estar ausente da situação, protegido por sua filosofia - agora os dois precisam deixar de lado suas incessantes buscas pela melhor interpretação das próprias vidas para simplesmente retratar o cenário que tinham ao redor. Sartre, que vivia à espreita de um novo olhar sobre as relações, agora precisa resgatar a França. E seus textos, ao mesmo tempo que mantém resquícios da muitas vezes abstrata filosofia, agora ganham corpo de retrato de uma página da história sob o olhar de quem estava lá.

"Perto da meia-noite, ouviam-se os retardatários correndo na rua para chegar em casa antes do toque de recolher, e depois reinava o silêncio. E sabíamos que os únicos passos ouvidos lá fora eram os deles. É difícil transmitir a impressão que essa cidade deserta podia dar, essa terra de ninguém colada em nossas janelas e que só eles habitavam. As casas nunca eram exatamente uma proteção. A Gestapo fazia com frequência suas prisões entre meia-noite e cinco da manhã. A cada momento, parecia que a porta podia ser aberta, deixando entrar uma rajada de ar frio, um pedaço de noite e três alemães afáveis com revólveres. Mesmo quando não falávamos sobre eles, mesmo quando não pensávamos neles, sua presença estava entre nós."
("Paris sous l´Occupation", de Jean-Paul Sartre)

"Era um mundo devastado", diz Beauvoir. "Nenhuma folha de grama em nenhum prado, por mais que eu olhasse, jamais voltaria a ser o que era."
(Simone de Beauvoir, em declarações posteriores, sobre quando Paris foi "libertada" e Londres recebia seus "primeiros mísseis balísticos de longo alcance")

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

"O príncipe encantado quase nunca chega."

"Foi assim que aquela mãe ensinou o que talvez a filha levasse a vida inteira para aprender. Ou nunca aprendesse... A menina, vestida de princesa, chorava copiosamente porque seu par na peça de teatro da escola não havia chegado. O tal príncipe encantado..."

Mas este foi apenas um dos assuntos em pauta naquela mesa. Éramos quatro mulheres. Quatro amigas totalmente diferentes que um dia se conheceram e reconheceram no mesmo curso de teatro. Àquela altura, eu era o "sapo de fora"... Elas se reencontravam quase sempre, eu há tempos não as via. Foi uma festa. Quatro mulheres em um bar. Quatro copos. E muita história para contar. Em poucos minutos já estávamos próximas de novo. E percebemos que ainda falávamos a mesma língua. Havia presença.

Eu queria revê-las. Mas também tinha uma proposta: elas poderiam me ajudar a resgatar um sonho adormecido. E aconteceu. Éramos quatro mulheres para três papéis. E eu era o "sapo de fora". A última da fila... ao menos pensei que fosse. Mas uma delas disse: "no palco, não". Foi quando eu sorri e disse "SIM".

Foi mais que um sim à personagem, que ainda nem bem sei quem é. Foi um sim para a proposta que eu mesma faria. A de um resgate.

Filosofia, sociologia e terapia rolaram soltas na mesa. Naquela mesma mesa onde deixamos nossas frustrações e fantasmas de um curso de teatro com seus altos e baixos. Suas soluções e problemas. E onde resgatamos nossas almas intrigadas e sedentas que, neste ponto, são quase idênticas, preservando as diferenças. Ali, naquela mesa, falamos e ouvimos. Choramos e sorrimos. Havia um pacto entre nós. O de sermos livres, apesar dos compromissos.

Foi o melhor dos encontros. Até que venham os próximos.

O próximo, aliás, tem data marcada. É o chá de espera do Bernardo. Que, se for esperto, vai aproveitar a oportunidade de participar de encontro tão íntimo entre mulheres, ainda que no ventre da mãe, para especializar-se na alma feminina.

E que venham os próximos... e que nunca chegue a "saidera"...

Em tempo:
Na vida real o texto de ontem foi editado. Com novo desfecho. Pensei em corrigí-lo, mas não faria sentido. Naquele momento aquela era a realidade... e ele estava correto.
Giu, Gê, falar com vocês tranquilizou meu coração. Me fez sentir que estão encarando as coisas como tem que ser. Se precisarem é só chamar.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Quando um avô decide ser bisavô

Talvez quem passasse pela sala da casa dos meus pais naquele dia, há pouco mais de um ano, não se desse conta da seriedade da nossa conversa. Até porque tinha leveza e respeito, que sempre nortearam meus bate-papos com meu avô. Na verdade com os dois, paterno e materno, mas conto agora um causo do pai da minha mãe.

Sentados, quase lado a lado, no sofá, ele me olhou nos olhos e disse que eu já tinha idade para lhe dar um bisneto. Eu sorri, no primeiro momento. Estava já me acostumando as cobranças. Sou a neta mais velha. Nasci 2,5 meses antes do primo homem mais velho. Depois vieram mais três primos, meu irmão, e só então duas meninas. Para fechar, a "rapinha do taxo", hoje um lindo moço mais alto do que eu.

Mas meu avô voltou a me encarar e sorriu. Seu sorriso era de "porque não?". Expliquei que não me sentia pronta. Que tinha outras ambições e que um filho me tiraria a liberdade. Não se eu estivesse mais perto, deve ter pensado. Porque no fundo nunca compreendeu porque eu escolhi estar longe de toda a família que mora ali, tão junto e tão perto. Porque tenho que deixar tanta saudade e preocupação quando volto para casa, a 450 quilômetros de distância deles?

"Vô, fica tranquilo. Quando chegar a hora você vai ser bisavô. Eu tenho certeza", eu lhe disse, quase interrompida por meu pai que emendou: "É Durigan. Desse mato não sai cachorro". Foi mais ou menos quando minha mãe também entrou na prosa. "Se depender dos seus netos a família termina aqui". Rimos um pouco, ele ficou pensativo, e todos voltamos para nossa "vidinha réia", como diria em sua sabedoria.

Final de fevereiro de 2007. Primeiro o susto, depois a alegria. Uma de minhas primas seria mãe. A família de adultos, enfim, teria uma criança. Meu avô vibrou. E levou as alianças ao altar no dia do casamento. Ele, não chorou. Se o fez ninguém percebeu. Choramos nós, ao vê-lo impecável naquele terno. Tão lindo! Sua pele tão branca e lisa. Seus olhos tão azuis. E a serenidade de quem tem toda uma história para contar.

Agora estávamos todos na expectativa. Bianca nasce em setembro. Nossa princesinha!

Mas ontem, enquanto eu almoçava, o recado de que meu irmão precisava falar comigo urgente me trouxe rápido à redação. O celular tocava insistentemente. Atendi. "Bia, já está na redação?" Respondi que sim. Mal desliguei o celular e já o atendi em meu ramal. E o celular voltou a tocar, era meu pai. Eu ali, com as duas linhas, to-tal-men-te ignorada. Os dois discutiam aos risos, mas entre si: "Pára pai. Não vai contar. Eu liguei primeiro". E meu pai, sempre tão brincalhão, resmungava do outro lado. Até que me irritei - claro que no mesmo clima de brincadeira: "O que está acontecendo, vocês não vão falar comigo?". "Tá bom, vou desligar Preta. O Bi te conta", disse meu pai, com voz radiante. Meu pai sempre fez assim. Nos instigava, mas deixava o gostinho da vitória para nós dois, meu irmão e eu.

"Bia, vamos ter mais criança na família". Por um instante pensei que estivesse falando com o futuro papai... mas a voz muito tranquila de minha mãe ao fundo: "Manda ela adivinhar de quem é..." colocou a hipótese fora de questão.

Mas eu acertei. Era do Giu e da Gê. Sai contando pra todo mundo do meu trabalho que seria tia de novo. É, tia. Filho de primo-irmão é sobrinho, não é? Melhor que seja porque eu e meu irmão já avisamos lá em casa que é melhor nossos pais curtirem bem o título tios-avôs...

Falei com meu primo, o futuro papai, e com minha madrinha, que agora seria avó. E foi ela quem me entregou o ouro. "O vô Durigan está numa alegria só!". Foi então que me lembrei da nossa conversa no sofá. Naquele momento em que eu lhe disse "... fica tranquilo. Quando chegar a hora você vai ser bisavô..." ele deve ter decidido. E não é que deu certo? Parece que vejo seu rosto, agora. Aquele sorriso maroto. Aqueles olhos azuis. E os pensamentos com o sotaque italiano herdado dos pais, já que nunca estivera fora do Brasil... "eles pensaram que eu não seria bisa...".

É, meu vô. Agora você é bi-bisavô. Parabéns!
A propósito, agora estou liberada, né? Então fui. Que a vida está acontecendo e não quero me atrasar.
Um beijo bem grande no seu coração, meu lindo avô de olhos azuis.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Morreu sentado, aos 94 anos, o poeta do tédio...

Não quero tornar motivo de piada uma morte, mesmo que tão tranquila, após 94 anos de espera. Sim, porque acho que a morte espera toda uma vida para dela nos tirar. Você não acha? Tá. Vai me dizer que não concorda também que pessoas como o cineasta Michelangelo Antonioni são aguardadas em festa no céu? Ou como seu Antônio, o baiano que, além das histórias contadas e escritas por sua filha, minha amiga, só fui conhecer no dia do próprio velório. Amiga mesmo, pode perguntar. E de tamanha proximidade que não tenho dúvidas: seu Antônio deve estar se divertindo por ser lembrado agora. Não pelo velório, mas por suas estrepolias em vida que me vieram a mente como se as crônicas escritas pela filha tivessem virado filme.

Imagino seu Antônio, o baiano, recebendo Antonioni, o italiano, no céu. "Oi, sou seu Antônio! Tenho uma filha jornalista, gostava dos seus filmes...". E vai render conversa até que o tédio se renda...

Mas como eu ia dizendo, o poeta do tédio que retratava as angústias individuais e a incomunicabilidade nos relacionamentos, morreu sentado, aos 94 anos, ao lado da esposa Enrica Fico. Será que estavam em silêncio profundo no exato momento? Trocaram olhares? Havia comunicabilidade entre os amantes na hora derradeira?

Se não estivéssemos nos adaptando as mudanças até físicas pelas quais passamos esses dias, na redação onde trabalho, com certeza alguém teria feito um comentário, algo assim: "Será que na hora da morte eles fizeram uma combinação como: Antonioni disse 'então eu vou', e teve como resposta de Enrica: 'Fico!' ? De imediato, o olhar atento e curioso de meu chefe se voltaria com desdém em minha direção, mesmo que a fala não fosse minha. "Ah não. Uma 'ritaelisiana' dessas e nem é sexta-feira ainda". Mas depois, sairia pela empresa, de sala em sala, repetindo a brincadeira com um sorriso no rosto de quem, ao fundo, achou boa a piada. Tédio? Que nada.