Algumas caixas ainda estão empilhadas. "Onde eu guardei aquele sapato?", me questiono, enquanto observo os 'pacotes' que tomam 1/4 do pequeno estúdio para o qual me mudei. "Preciso dar um jeito nisso", esbravejo comigo mesma. É quando me dou conta de que, definitivamente, preciso de um espelho. É, de um espelho.
Sem tirar os olhos das caixas esqueço imediatamente o sapato. Meu foco é outro. Quero me ver, me olhar. Por um instante me encontro refletida no vidro do relógio de parede deixado no chão, aguardando sua vez de ter o próprio lugar. E mesmo enquanto espera, é importante dizer, não deixa de cumprir seu papel: tic tac, tic tac, tic tac...
Mas o reflexo está deformado, não agrada, não me serve. Recomeço uma busca desesperada na minha memória ao mesmo tempo que olho para as caixas como se tivesse a visão de raio X do bonitão Clark Kent. De repente, me lembro da caixa de maquiagem. "Perfeito!", digo em voz alta, enquanto minha mão alcança a bolsa onde foi cuidadosamente guardada a tão zelada caixa de maquiagem espelhada.
O espelho é de bom tamanho. Novo. "Se eu colocar sobre esse balcão terei bons ângulos", penso, posicionando o objeto. Pronto. Lá está ele a me olhar. Começo a observar parte de mim. Uma parte do tronco refletida enquanto estou em pé. Gosto da composição da roupa que vesti, do caimento da blusa... menos um problema para o dia que se inicia na vida de uma mulher. Então, puxo a cadeira e me sento. Em frente ao espelho. E me olho...
... me permito demorar um pouco... observar... estou cara a cara comigo.
A falta de intimidade com essa imagem, já de alguns dias, me torna um tanto quanto estranha e, consequentemente, tímida no primeiro contato. Mas aos poucos vou me soltando. Dou um sorriso e inevitavelmente reencontro aquela marca de expressão que me incomoda. Insisto... e me acostumo novamente com ela.
Minha versão Narciso vai aflorando. Meus olhos ganham novo brilho. E, novamente de repente, o silencioso diálogo que se estabelecera é interrompido pelo teimoso relógio que, mesmo esquecido no canto, instiste em trabalhar: tic tac, tic tac, tic tac... "Nossa, preciso ir."
Tiro da bolsa o batom que passo rapidamente sobre os lábios já nem tão sorridentes, olhando para o espelho sem ao menos me ver. Coloco o sapatinho básico - e para inúmeras ocasiões como essa - que está sob a escrivaninha, confiro se as luzes estão apagadas, certifico-me de que peguei tudo: documento e chave do carro, a agenda, o cheque a ser depositado... e saio. Ainda tenho que deixar uma autorização na portaria.
Entro no carro, coloco o cinto, giro a chave, engato a ré e, tão de repente quanto em todos os outros de repentes, reencontro minha imagem refletida no retrovisor. A expressão é outra, tenho pressa. A testa franzida esconde o brilho já tímido no olhar... me perdi.
Será que me esqueci trancada dentro da caixinha de maquiagem espelhada? Bem, espero que sim. Ao menos poderei tentar libertar-me assim que chegar em casa.
terça-feira, 14 de agosto de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário