segunda-feira, 23 de julho de 2007

Teatro ou realidade?

Segunda-feira, 6h30 da "madrugada". Rodízio do meu carro. Chovia e eu não via muito além do parabrisa. De repente uma daquelas sombras negras - parece que todos os motoqueiros hoje usavam uma capa preta para se proteger da chuva torrencial - estava tão rente ao meu carro que me assustou. Mas logo se misturou às tantas outras manchas negras, garantindo-me a sensação de alívio. Não, não era um assalto. Só então me dei conta de que no caminho de casa até ali, uns 5 km percorridos, não pensei em outra coisa a não ser em o que escrever aqui.

"Pronto, vou escrever sobre os motoqueiros no trânsito de São Paulo... não, muito batido. Ah, mas tem o gancho daquele projeto do artista espanhol que deu câmeras para que alguns deles registrassem seu cotidiano..." O fato é que 2 km a frente estacionei na editora onde trabalho sem chegar a conclusão alguma. Pensei até que poderia comparar o motoqueiro que me fez voltar à realidade do trânsito com chuva, à um recurso da técnica do distanciamento, de Bertolt Brecht. Para quem não conhece, é a técnica usada no teatro para que o espectador seja um "crítico-social", lembrando a platéia que o que ela vê é encenação e não realidade. Mas meus pensamentos eram reais. O trânsito, a chuva... o motoqueiro... tudo era real. Calma, mudei de idéia.

Em minha mesa, escrevendo para a revista na qual trabalho, me comportei até que um amigo e colega de redação entrasse na sala. Desembestei a falar que ele tinha de ter um blog, que era jornalista...blá blá blá... Ops, ato falho. Eu? Que odiava que me cobrassem isso??? Hum, preocupante. Mas ele logo me convenceu de que tinha textos demais pra escrever para a revista, sem ter um blog. E me lembrou que eu também, com o agravante de ter meu blog.

Li e-mails, falei ao telefone, ao messenger, voltei ao trânsito para uma reunião. Mas dessa vez não tive a chance de devanear. Não tanto. O taxista não deixava. Queria me contar de tudo um pouco. Da "viagem ao redor do mundo" por Parati e Trindade, no Rio de Janeiro, e São Sebastião e Maresias em São Paulo. "Conhece menina?", perguntava. "Não, não conheço", respondi umas vezes. "Lá eu conheço sim", em outras. Silêncio... "E a tal da Paula (sic), menina. Você viu? A bandeirinha que anulou o gol do Corinthians? Parece que vai sair pelada na revista.", comentou ele. "Já saiu", respondi. "É mesmo, olha só. Tá ganhando dinheiro, hein", insistia.. "É", disse, quando me lembrei que ainda hoje teria de passar no banco. E a conversa se estendeu até o meu destino.

Reunião encerrada, hora de voltar para a redação. O segundo taxista me deixou escolher a rádio. Quer dizer, exigiu que eu escolhesse. Mas era uma "gentileza da casa". Pelo menos me deixou ouvir a rádio. Acho até que em certo momento se arrependeu de tamanha liberdade. Foi quando me olhou pelo retrovisor e eu me dei conta de que estava cantando, em médio e bom som, junto com o falecido Renato Russo. O que fazer em uma hora dessas? O que a Marta Suplicy aconselharia? Resolvi relaxar e... bom, continuar cantando (mais baixo, claro).

Voltei pra redação e continuei o trabalho, os bate-papos, os telefonemas, as reuniões, os e-mails... de repente um deles me chamou a atenção. A manchete do Adnews: "Mídia fará 1 minuto de silêncio em prol de tragédia aérea". "Caramba! Mídia em silêncio pra protestar? Isso não vai contra os princípios da imprensa?", pensei. Ai me lembrei das tantas vezes que fechei jornais e revistas nos últimos dias, ou passei direto por uma TV ligada, para fugir dessa insana busca midiática por mais sofrimento nesse trágico, porém "previsível", acidente da TAM. Claro que a dor dos vitimados importa. Mas à imprensa caberia mais cuidar para que se evitassem novas vítimas, quando esse acidente não for mais a bola da vez. Pronto, lá estava de novo o fantasma do Brecht e seu distanciamento a me assombrar. Mas agora que eu não sabia mesmo o que era teatro e o que era realidade.

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